Conhecido pelas constantes “tretas” em plenário e fora dele, desde que era vereador de Curitiba, entre 2021 e 2022, e considerado um dos líderes da invasão da Igreja do Rosário em fevereiro do ano passado, sendo alvo de cassação da Câmara e em seguida, o mandato foi devolvido pelo ministro Luis Roberto Barroso do STF, o deputado estadual Renato Freitas (PT) vai enfrentar mais uma vez o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (a segunda em 2023) da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
Desta vez a comissão será provocada pelo presidente da casa de leis, Ademar Traiano (PSD), depois de injúrias raciais contra evangélicos, presentes na sessão do dia nove de outubro, e denúncias sem comprovação. As informações do blog do Tupan.
Durante a sessão de ontem, Ademar Traiano comunicou que protocolou uma representação disciplinar contra o petista, o líder do PT na Alep, Requião Filho, tentou relativar os atos de Renato Freitas, mas pareceu entender que a cassação é o único jeito para trazer a bancada as pautas do partido no conservador parlamento.
Confira na íntegra o discurso do deputado Ademar Traiano (PSD):
“Excelentíssimos Senhores Deputados e Senhoras Deputadas.
O motivo que me trouxe à esta Tribuna hoje não poderia ser diferente: os infelizes acontecimentos ocorridos na Sessão Plenária do dia 9 de outubro.
Antes de tratar desses fatos, é importante relembrar como foi a chegada do Deputado Renato Freitas a esta Casa.
Renato foi eleito com expressiva votação. Quase 60 mil eleitores confiaram no seu nome para representá-los.
Sua eleição virou notícia na imprensa, mas principalmente foi pauta nas conversas de bastidores aqui mesmo na Assembleia. Renato havia respondido a um processo de cassação de seu mandato quando ainda era vereador em Curitiba, que resultou na sua cassação. Participou da campanha eleitoral, em boa parte do tempo, inelegível. Mas alguns dias antes do pleito, reverteu a inelegibilidade, anulou o processo ético da Câmara e saiu vitorioso.
Muitos vieram falar a mim e a outros deputados reeleitos que Renato era uma pessoa difícil e que as confusões eram uma questão de tempo.
Não dei ouvidos a essas pessoas.
Ao contrário, recebi o Deputado Renato de portas abertas. Conversamos, nos alinhamos e Renato, inclusive, votou em nossa chapa para a reeleição da Mesa.
Logo depois da posse, criamos aqui a Comissão de Igualdade Racial, uma pauta com a qual tenho extremo comprometimento pessoal. Uma pauta mais do que legítima. A Casa de Leis deve participar ativamente do resgate histórico da dignidade da população negra. Essa matéria ficou ainda mais cara para mim há alguns anos. Muitos não sabem, mas hoje sou pai adotivo de duas lindas meninas negras.
Vi em Renato a melhor pessoa para estar à frente deste novo espaço. Apoiei sua eleição e me comprometi com ela. Renato tem uma história de vida admirável. Sofreu com a violência desde criança em seu bairro e no seio de sua família. Mesmo diante das adversidades cresceu, finalizou seu curso superior e se tornou um líder.
Esta foi a primeira Comissão de Igualdade Racial criada em uma Assembleia Legislativa, de acordo com o próprio Renato. Ele é seu primeiro Presidente. Essa foi uma conquista sua, Deputado Renato, mas contou com nosso apoio incondicional.
Feito esse histórico, é necessário agora avançar para trazer alguns detalhes da sessão do dia 9.
Tudo que falarei aqui pode ser comprovado pela simples consulta ao vídeo da Sessão publicado no YouTube. É necessário resgatar a verdade, porque infelizmente uma parte das pessoas foi levada a crer em falácias.
A Sessão foi marcada pela presença de dezenas de representantes da igreja “O Alvo Church”, que lotaram uma das galerias do Plenário para acompanhar a realização dos trabalhos legislativos. As pautas dos visitantes eram o aborto e a guerra que infelizmente assola Israel e Palestina, temas que geram polêmica não só em nosso Estado, mas em todo o mundo. O acirramento dos ânimos e o calor dos debates costumam ser um pouco maiores em sessões como essas, em que temas sensíveis são discutidos com galerias lotadas.
Contudo, a Assembleia Legislativa não pode ficar inerte diante das situações ocorridas durante a sessão.
Antes mesmos dos pronunciamentos do Deputado Renato, as galerias já se manifestavam elogiosamente a alguns parlamentares que concordam com as suas pautas. Interrupções ocorreram sistematicamente e alertei os visitantes para evitarem essas manifestações.
Talvez mais da metade do pronunciamento do Deputado Tito foi interrompido por manifestações elogiosas. Mesmo assim nenhum minuto adicional foi a ele concedido.
Ainda neste início, veio a notícia a mim de que o Deputado Renato, de dentro do Plenário, iniciou uma live durante o discurso do Deputado Tito. Infelizmente não tive acesso ao seu conteúdo completo, mas na parte em que tive acesso é possível observar que na sua rede social Renato acusa o seu colega com as seguintes frases: “Palanque sobre os corpos. É a especialidade do Tito Barichello. Fazer palanque em cima da morte das pessoas”. Também são proferidas ofensas pessoais contra o Deputado Ricardo Arruda, em que o chama de “rei das fake News”. Ao final, direciona sua revolta ao Poder Legislativo, em suas palavras: “A Assembleia se torna palco desse espetáculo de horrores que fez com que Curitiba se tornasse a capital do fascismo”. Uma pessoa que assistiu ao vídeo relatou, inclusive, que Renato dá um zoom com sua câmera em minha imagem e diz algo como: “Esses são os poderosos que dão palco para o fascismo”.
Por mais legítima que seja a pauta de qualquer Deputado, não posso aceitar esse tipo de ofensa desassociada do debate que leva ao interesse público.
Mesmo sabendo disso, preferi naquele momento não intervir. Renato sobe pouco tempo depois à Tribuna para fazer uso do pequeno expediente por 5 minutos. Seu discurso é duro chegando a chamar as pessoas das galerias de “serviçais da morte e da mentira” e “hipócritas”. Ao assim proceder, foi interrompido por algumas vaias.
Neste momento, fiz a primeira intervenção em defesa do Deputado Renato, ao pedir a compreensão das galerias.
Renato respondeu à minha intervenção com a frase: “Não me incomodo, Sr. Presidente”.
Mesmo assim, mantive a defesa, quando falei: “Mas é a regra. Precisamos deixar que o deputado fale, porque é um direito de usar a tribuna. Precisamos ter ordem aqui dentro da Casa, gente!”.
Entre a concessão da palavra ao Deputado e o final da manifestação decorreram 8 minutos, quando o pequeno expediente dá direito a apenas cinco. Isso comprova que congelamos o tempo sem qualquer tipo de censura ao orador.
Ao final do expediente, Renato retorna à tribuna, desta vez no horário da liderança da oposição.
O discurso fica ainda mais duro. O orador usa frases como: “o cristianismo tem muito a oferecer, mas foi sequestrado pelo populismo religioso”; “hoje o que se vê nas igrejas é a substituição do perdão pelo ódio, pela vingança”; e “fazem do templo uma casa de comércio e toda a sorte de cafajestice e picaretagem”.
Quando já falava por 5 minutos e 45 segundos, nova interrupção é feita pelas galerias. De novo, fui em defesa do Deputado. Essas foram algumas das minhas palavras: “Esta Casa é uma casa plural, todos têm o direito de se manifestarem dentro de princípios seus e do que defendem. Respeitem o Parlamentar que está na tribuna, independente da posição dele. É um direito dele, como é direito dos demais expressarem aquilo que entendem. Então, peço essa compreensão de todos vocês. Cada um tem sua crença, interpreta da forma como achar melhor, e esta Presidência tem a função de agir aqui como magistrado.”
Veja-se que entre o início da fala do Deputado Renato e este momento já havia corrido mais de oito minutos, o que poderia resultar em menos de 2 minutos para a conclusão do seu discurso, mas a assessoria da Presidência diligentemente fez o congelamento do tempo em alguns momentos. Em razão disso, o relógio ainda marcava algo em torno de 3 minutos e 50 segundos. E é a partir daqui que, de maneira surpreendente e bizarra, começa a grande confusão.
Renato de maneira inverídica fala que teria direito a 5 minutos. Eu explico de maneira educada que não, que preciso confiar na assessoria. Não é humanamente possível presidir uma Sessão conturbada e cuidar pessoalmente do cronômetro. Conto com a equipe para fazê-lo. O que aconteceu é que a Deputada Ana Júlia interviu em favor de Renato durante um minuto e esse tempo foi contabilizado como um aparte. A deputada até fala em questão de ordem, mas eu não deferi o questionamento à deputada. Defendo aqui os congelamentos e a rodagem do tempo realizada pela assessoria.
Revoltado, Renato ainda fala aos berros: “Portanto, ouça, o senhor e os hipócritas religiosos que lotam esta Casa, que foram os mesmos que crucificaram a Cristo”.
Não cabia outra decisão a mim. Diante da ofensa grave que chegou a colocar em risco a segurança do Plenário, encerrei o discurso e determinei que fosse cortado o microfone do orador. Ora, Renato acusa uma plateia lotada de cristãos de hipócritas e os compara a quem crucificou Cristo.
Esse não é só um poder, mas um dever de quem ocupa a função de Presidente. É bom que se destaque que, de acordo com o Regimento, são competências do Presidente, dentre outras: a) dirigir e representar a Assembleia (art. 29, inciso primeiro); b) presidir as sessões plenárias (art. 29, inciso II); c) manter a ordem e fazer observar o Regimento (art. 29, inciso terceiro); conceder a palavra aos Deputados (art. 29, inciso quinto); interromper o orador que se desviar da questão, faltar com a consideração aos poderes constituídos, advertindo-o, chamando-o à ordem e retirando-lhe a palavra (art. 29, inciso sétimo); promover e regular a publicação dos debates (art. 29, inciso 16); e zelar pelo prestígio da Assembleia e dignidade de seus membros (art. 29, inciso 30).
Logo, as decisões tomadas por mim têm supedâneo e guarida em múltiplos enunciados normativos do Regimento Interno.
Na verdade, quem por diversas vezes atentou contra o Regimento da Casa foi justamente o Representado, conforme pode se depreender da leitura do seu art. 196: Art. 196. O Deputado dirigirá as suas palavras ao Presidente ou para a Assembleia de um modo geral, não sendo permitidas expressões injuriosas ou descorteses.
Mesmo com a palavra retirada, Renato Freitas segue gritando ofensas pessoais gravíssimas de maneira desproporcional e desarrazoada da tribuna. Desce, vai até as máquinas de votação, liga um microfone atrás do outro sempre com o mesmo objetivo: ofender o Presidente do Poder aos berros, simplesmente por não concordar com a decisão legítima e regimental por ele adotada.
Também é surpreendente a desproporção. As ofensas foram direcionadas a quem minutos antes lhe defendeu por inúmeras vezes, ressaltando o direito dele e de todos os outros deputados usarem da palavra na tribuna. Os gritos foram dirigidos a quem minutos antes chamou a atenção das galerias e da plateia, lhes solicitando o encerramento das interrupções. Os berros foram direcionados a quem o ajudou a criar e presidir a Comissão de Igualdade Racial.
Ao contrário da interpretação equivocada do Deputado Renato, não se trata de censura. Isso fica claro pela simples contagem do tempo feita em ambas as vezes que o Deputado Renato Freitas proferiu seus discursos. Não houve prejuízo, mas mesmo que houvesse o desconto de alguns poucos segundos ou minutos, nada justifica o abuso praticado, em que o parlamentar injuriou, difamou e caluniou parlamentares e atentou contra a dignidade do Poder Legislativo Estadual.
Foi possível constatar que outros parlamentares - Deputados Gugu Bueno, Romanelli e Requião Filho – e a assessoria da Liderança da Oposição tentam reduzir a agressividade do Representado, porém sem sucesso.
Renato segue as ofensas: “Eu não estou no seu bolso. Seu corrupto. Você é um corrupto. Corrupto. É isso que você é. Você é um corrupto. Anote, anote nas notas taquigráficas. Você é um corrupto. E você é um corrupto, você é um corrupto. Eu não roubo dinheiro do povo! Eu não roubo dinheiro do povo. Eu não tenho medo de você. Eu exijo os meus minutos do meu direito de fala que foi trado contra o Regimento. Votando é o c... Seu corrupto.”
Após a sessão, Renato foi ainda para as redes sociais. A partir da sua improcedente tese de ter sido censurado, me chamou de “rei esnobe frente aos súditos”, “coronel da velha política”, “autoritário” e me acusou falsamente de crimes e condutas imorais, tanto em seu perfil pessoal quanto no perfil do portal Banda B.
Me colocou como autoritário por estar na Casa há 30 anos. Na verdade, são 11 mandatos consecutivos entre vereador, Prefeito e deputado. Isso não é motivo para ofensas. Se estou há tanto tempo na política é porque fui legitimado pelo voto do povo em todas as eleições. Meus 5 mandatos de Presidente também seguem a mesma regra. Fui legitimado para exercer a função, inclusive com votação unânime na última eleição e inclusive com o seu voto. A experiência não é demérito. Ao contrário, me faz bem e me sinto cada dia uma pessoa melhor para exercer minhas funções. Desejo a Vossa Excelência, Renato, uma vida pública longa e de sucesso!
Pois bem! A Assembleia Legislativa não pode ignorar as múltiplas condutas graves perpetradas nesse dia, que quebraram o decoro parlamentar a partir de ofensas aos colegas e ao próprio Poder do qual é membro.
Nosso Regimento ainda prevê no art. 269 que é dever fundamental do deputado respeitar e cumprir as normas internas da casa, tratar com respeito os colegas e os cidadãos e respeitar as decisões legítimas dos órgãos da Casa. Nada disso foi feito pelo Deputado Renato.
Incorreu ainda em atos contrários com a ética e o decoro, previstos no art. 271, pois perturbou a ordem da sessão, infringiu regras de boa conduta, usou de expressões atentatórias ao decoro, praticou ofensas morais e desacatou parlamentares, além de abusar da sua prerrogativa de imunidade material.
Acusar a Assembleia de ser um palco do fascismo e a dizer que o Presidente é um rei frente aos súditos não é algo apenas ofensivo aos parlamentares, mas muito diz do que o Representado pensa sobre a Casa Legislativa na qual labora e da imagem que quer passar sobre a instituição para os cidadãos.
Os fatos narrados bem apontam que as múltiplas ofensas proferidas contra as galerias, os colegas e a Assembleia ocorreram com dolo unicamente ultrajante, isto é, desassociado do exercício da função parlamentar.
Portanto, comunico que protocolarei uma representação disciplinar contra o Deputado Renato Freitas. Não o faço para uma proteção pessoal e muito menos porque tenho algo contra a pessoa de Renato. Não me alegro por me obrigar a fazê-lo.
Faço em defesa da Casa, da Constituição, do Regimento e da ordem.
Ao final, o Conselho de Ética e o Plenário farão a sua decisão. Seja qual for essa decisão, não haverá ganhador e perdedor. Não haverá vencedor e vencido.
Hoje, a única derrotada com os fatos é a Assembleia, a instituição que como Presidente devo proteger.
Esta instituição precisa resgatar sua imagem e farei o que for necessário para isso.”